Aposentadoria rural – Antes e depois da Reforma da Previdência

Milhões de brasileiros trabalharam na agricultura em ao menos parte de sua vida. Se isso aconteceu com você, fique com a gente até o final. Escrevi esse texto pensando em te ajudar a entender como funciona a utilização desses períodos de trabalho para fim de aposentadoria.

Já adianto que não há uma aposentadoria chamada “aposentadoria rural”, mas o tempo de trabalho rural o ajudará em vários benefícios e, inclusive, o ajudará a melhorar o valor de sua aposentadoria.

Seja bem vindo, tenha uma ótima leitura e, a qualquer momento, se tiver dúvida, deixe sua pergunta, que será um prazer poder te ajudar.

Tópicos

  1. Para que serve o tempo rural?
  2. Porque é possível usar tempo rural?
  3. Qual trabalhador rural tem direito? Só o segurado especial tem direito!
  4. Boia-fria também tem direito?
  5. Como provar trabalho rural para fim de aposentadoria?
  6. O que o INSS exige como prova do tempo rural?
  7. Como comprovar trabalho rural na Justiça?
  8. Reforma da Previdência para trabalhador rural. Como ficou?

Para que serve o tempo rural?

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Durante muito tempo o trabalhador rural foi excluído do regime de aposentadorias do Brasil. Era uma época em que o lavrador estava vinculado ao antigo Funrural. Se você se lembra disso, é porque já deve ter passado dos 50 anos. 

Desde 1991 todos os trabalhadores rurais foram integrados no INSS. Ocorre que, o governo não poderia apenas fazer de conta que os trabalhadores rurais não haviam ficado por décadas à margem do sistema e, por isso, criou uma série de direitos para os trabalhadores rurais. Mas quais seriam esses direitos?

  • Aposentadoria por tempo de contribuição. O trabalhador rural pode computar todo o seu tempo de trabalho, mesmo sem registro na carteira, como tempo de contribuição. O limite para isso é justamente o ano em que o trabalhador rural passou a ser incluído no INSS, ou seja 1991. Em resumo, todo o tempo que você trabalhou na roça até 1991 pode ser utilizado para aposentadoria por tempo de contribuição;
  • Aposentadoria por idade rural. Todo trabalhador rural tem direito a se aposentar por idade aos 60 anos, se homem, ou aos 55 anos, se mulher. Para isso, terá que comprovar que trabalhou exclusivamente na lavoura nos últimos 15 anos. Não precisa ter nenhum registro, mas apenas ter trabalhado na lavoura mesmo;
  • Aposentadoria por idade híbrida. Aos 65 anos o homem e 62 anos de idade a mulher, será possível aposentar-se por idade híbrida. Para isso, a soma do rural com o trabalho com contribuições para o INSS deve resultar em pelo menos 15 anos. Em outras palavras, quem tiver saído da lavoura nos últimos 15 anos e, por isso, não tiver direito à aposentadoria por idade rural “pura”, pode aposentar-se por idade ainda, usando o tempo trabalhado com contribuição, mas terá que esperar mais um pouquinho (65 anos, homens, e 62, mulheres);
  • Aposentadoria por invalidez e auxílio-doença. A lei garante aos que trabalham na lavoura e que fiquem incapacitados, tenham direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença, mesmo que não tenham nenhuma contribuição – basta ser lavrador;
  • Pensão por morte. Não sei se você sabe, mas, para que os dependentes tenham direito, é necessário que o falecido seja segurado do INSS. Pois bem, a regra é que só é segurado quem paga para o INSS; mas o lavrador é uma exceção. Em outras palavras, os lavradores que falecem deixam direito aos seus dependentes de receber pensão por morte, mesmo que eles não tenham registro em carteira;

Porque é possível usar tempo rural?

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A primeira lei que tratou dos direitos do trabalhador rural foi a Lei que criou o Estatuto do Trabalhador Rural em 1963. Era uma Lei que tratava os benefícios de lavradores como assistência (ajuda) do governo, entretanto essa Lei durou até 1971, quando foi substituída por outra, chamada Lei do PRORURAL (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural). Como se vê pelo nome da lei, o lavrador continuou a ser tratado em um programa de assistência (ajuda). Desde 1991, porém, as coisas mudaram e o lavrador foi finalmente integrado ao INSS. Desde então, tanto lavradores, quanto trabalhadores urbanos, obedecem à mesma lei – a Lei de Benefícios.

Assim, você pode computar o tempo rural para fim de aposentadoria porque, depois de décadas sendo excluído do sistema, o governo tentou corrigir as injustiças, e garantiu seus direitos.

Abaixo eu vou colocar os artigos da Lei de Benefícios que garantem seus direitos. É uma coisa meio chata e você não precisa ler para entender é só pular o quadro da lei. Eu vou colocar aqui apenas porque você vai precisar dessa lei para ir ao INSS.

Lei 8213/91

Art. 39.  Para os segurados especiais (lavradores) fica garantida a concessão:              

I – De aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, observado o disposto nos arts. 38-A e 38-B desta Lei; ou             

II – Dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.

Art. 143. O trabalhador rural (…) pode requerer aposentadoria por idade (…) desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício (15 ANOS).

Art. 55. (…)

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à (1991), será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

Art. 48. (…) § 3o  Os trabalhadores rurais (…) que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo (TRABALHO EXCLUSIVAMENTE RURAL), mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.  

* Obs.: Como você verá abaixo, a Reforma da Previdência aumentou a idade da mulher para 62 anos para a aposentadoria híbrida. 

Assim, você pode computar o tempo rural porque o governo criou uma série de direitos para o trabalhador rural com o objetivo de corrigir uma injustiça histórica.

Qual trabalhador rural tem direito? Só o segurado especial tem direito!

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Não são todas as pessoas que trabalham no meio rural que têm direito aos benefícios sem contribuição. Portanto, a regra geral é que todos precisam contribuir para ter direito a usar seu tempo para fim de aposentadoria, o que falamos acima é que o Trabalhador Rural é uma exceção.

Certo, mas quais trabalhadores rurais tem direito

Ao criar as exceções o governo deu um nome, que foi “segurado especial”, assim além de dar o nome, a Lei de Benefícios também explica quem são os segurados especiais. São eles:

  • Pequenos agricultores (proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais); desde que não tenham outra renda e desde que a propriedade tenha, no máximo, 72 hectares (29,75 alqueires paulistas);
  • Seringueiros;
  • Pescadores artesanais.

Além disso, também é possível contar o tempo de trabalho infantil rural para aposentadoria, sem ter contribuído ao INSS. Assim, se você exerceu a atividade rural na infância, você também poderá pedir a averbação do seu tempo de trabalho rural.

Veja que os médios e grandes proprietários; os agrônomos; os veterinários; os técnicos agrícolas, etc., apesar de trabalhar

Boia-fria também tem direito?

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Sim! Boias-frias tem direito.

A lei não fala em bóia-fria ou diarista e, por muito tempo, o INSS dificultou (e ainda dificulta) a vida desses trabalhadores. Em outras palavras, o INSS dizia que não tinham direito porque a Lei de Benefícios não falava deles. Depois de quase 30 anos de teimosia diaristas rurais (bóias-fria) conseguiram reconhecimento tanto da Justiça, quanto do INSS. Veja uma decisão da Justiça:

Esta Corte consolidou a orientação de que o Trabalhador Rural, na condição de bóia-fria, equipara-se ao Segurado Especial de que trata o  inciso  VII  do  art.  11  da  Lei  8.213/1991,  no que tange aos requisitos    necessários    para    a   obtenção   de   benefícios previdenciários.  

Superior Tribunal de Justiça (Brasília) – Recurso 1762211

Como provar trabalho rural para fim de aposentadoria? 

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No nosso país, felizmente, prevalece o princípio segundo o qual qualquer prova vale. Assim, você pode apresentar testemunhas e qualquer prova material (uma certidão de casamento, uma foto, um recibo de pagamento de diárias, uma nota de compra de um adubou ou ferramenta agrícola, etc). Considerando isso, há apenas duas exigências:

  • Que exista ao menos uma prova material
  • A prova seja da época em que o trabalho foi prestado.

Assim, você não poderá apresentar apenas testemunhas, mas, se tiver uma certidão de casamento, ou uma certidão de nascimento de filho nas quais esteja escrito “lavrador”, as testemunhas serão muito importantes.

O que o INSS exige como prova do tempo rural? Auto declaração da atividade rural

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Lembra que falamos acima que o INSS dificulta a vida dos bóias-fria? Agora você vai entender porquê.

Na prática, a maior parte dos documentos que o INSS aceita são documentos que apenas o segurado especial (agricultor) tem, como bloco de notas de produtor, contrato de arrendamento, escritura da terra que lhe pertença, etc.

Por outro lado, o INSS exige que você preencha uma declaração de atividade rural. Deixei um modelo para você baixar e preencher, caso precise (Autodeclaração da atividade rural). A declaração da atividade rural nada mais é do que um formulariozinho simples no qual você informará ao INSS onde trabalhou e de quando até quando. Mas o que interessa saber é que a declaração sozinha não resolve nada.

Na verdade, antigamente você tinha que ir ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e pedir para eles fazerem uma declaração. No início do governo Jair Bolsonaro houve uma alteração e deixaram de aceitar a declaração do Sindicato, passando a exigir a declaração do próprio interessado. Na verdade, isso não adiantou muita coisa, porque o que o INSS quer mesmo são documentos da época em que o trabalho foi prestado e a declaração é mera formalidade. Assim, em resumo, você tem mesmo é que encontrar alguns documentos da época e testemunhas – a declaração é o mais fácil.

Como comprovar trabalho rural na Justiça? Lista de documentos aceitos

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Muitas vezes (muitas vezes mesmo!) o pedido de reconhecimento de pedido rural é negado pelo INSS. E daí? Nesses casos só resta entrar na Justiça.

Os juízes e tribunais exigem provas do trabalho rural, também, mas analisam os pedidos com um olhar mais distanciado. Em outras palavras, como o juiz não tem interesse pessoal no caso (não é a Justiça quem paga a conta), seus critérios para examinar seus documentos são mais justos.

É muito comum que a pessoa não tenha documentos para todos os anos trabalhados na lavoura. Talvez seja esse o seu caso. Nesses casos, o INSS, normalmente, reconhece apenas o ano do documento. Já para a Justiça, se você tiver alguns documentos feitos no início de sua vida de trabalho, mas as testemunhas forem confiáveis, você pode conseguir comprovar todo o período. Eles dizem que as testemunhas “estendem a eficácia dos documentos” e, por isso, aceitam menos documentos para comprovar seu trabalho.

Abaixo, para te ajudar a conseguir documentos para a aposentadoria rural, vou colocar uma lista de exemplos que já ví juízes aceitarem em centenas de casos meus:

– Histórico escolar de escola rural; 

– Ficha de filiação a sindicato de trabalhadores rurais;

– Certidão de nascimento de irmão do autor 10 anos mais novo (na falta de irmão, peça certidão de nascimento do próprio autor);

– Reservista ou certificado de dispensa do tiro de guerra;

– Certidão de casamento com a profissão lavrador;

– Certidão de nascimento dos filhos com a profissão lavrador do autor;

– Certidão da profissão declarada no 1º registro eleitoral;

– Certidão do Instituto de Identificação, da profissão informada quando da primeira identificação civil (RG);

– Escritura de compra ou de venda de terreno urbano ou casa, com a profissão “lavrador”;

– Se sua família era segurada especial (proprietária/arrendatária/meeira/parceira) no período: 

  • Recibos do INCRA, do ITR e CCIR;
  • Notas de produtor;
  • Notas de compra de implementos/ferramenta/sementes/adubos;
  • Contrato de arrendamento ou parceria;
  • Matrícula do cartório de registro de imóveis na qual fique claro que o familiar (pai, avô, sogro etc) era proprietário rural (família tinha sítio );

Essa é apenas uma lista dos documentos mais encontrados, mas, lembre-se do que falei lá no início – tudo o que você tiver que possa evidenciar que você trabalhou na lavoura, ou que sua família tem origem rural pode ser utilizado para ajudar a convencer o Juiz. Não é hora de ter preguiça! O segredo é procurar documentos.

Se você tiver qualquer dúvida em relação a um documento ou qualquer outro ponto do que falei acima, por favor, deixe sua pergunta, que responderei o mais rápido que eu puder.

Reforma da Previdência para trabalhador rural. Como ficou?

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A Reforma da Previdência não alterou a aposentadoria por idade do trabalhador rural, assim, homens a partir dos 60 anos e mulheres a partir dos 55 anos que trabalharam na lavoura nos últimos 15 anos continuam a ter direito.

O mesmo vale para aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, e pensão por morte rurais – não houve nenhuma alteração.

Quanto à aposentadoria híbrida (parte de trabalho rural + parte de trabalho urbano), houve uma pequena alteração para as mulheres. Ou seja as mulheres teriam direito à essa aposentadoria aos 60 anos e, após a reforma, terão direito aos 62 anos de idade, apenas.

O pior efeito da Emenda da reforma para quem tem tempo rural a reconhecer, na verdade, é um efeito indireto. Explico: a Reforma da Previdência extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição (manteve apenas a aposentadoria por idade); assim, no futuro não fará mais sentido você comprovar que trabalhou na lavoura no início da vida, já que não existe a aposentadoria por tempo de contribuição. 

Não entendeu? Explico melhor: as pessoas que trabalharam na roça no começo da vida, somam esse tempo de trabalho, com os períodos que contribuiu para o INSS a fim de completar o tempo de contribuição e conseguir a aposentadoria por tempo de contribuição. Ocorre que a Reforma da Previdência extinguiu a Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Por isso, no futuro não haverá utilidade em comprovar o trabalho rural – nem a aposentadoria existe mais!

ATENÇÃO:

“NO FUTURO não fará sentido”. Isso mesmo, por enquanto ainda faz muito sentido porque, ou você já tem direito adquirido à aposentadoria por tempo de contribuição antes da reforma que acabou com ela; ou existe alguma regra de transição para você. 

VEJA MAIS SOBRE: DIREITO ADQUIRIDO E REGRA DE TRANSIÇÃO

Nesse texto procurei trazer para você uma noção geral dos direitos do trabalhador rural na previdência do INSS.

Você aprendeu que tanto o pequeno agricultor, quanto o diarista (bóia-fria) tem direito a uma série de benefícios sem recolher para o INSS e, ainda, que o tempo rural trabalhado no início da vida pode ser utilizado para completar o tempo de contribuição e, por fim, que a Reforma da Previdência não alterou quase nada para o lavrador, mas, ao extinguir a aposentadoria por tempo de contribuição, acabou por tornar inútil o direito a computar o trabalho rural no início da vida.

Tenho certeza de que você ficou com algumas dúvidas em aberto e, por favor, não deixe de perguntar. Talvez uma pergunta a menos seja um direito que não se realiza na sua vida. Para perguntar, clique na imagem abaixo, ou ali do lado no botão do WhatsApp, que terei o maior prazer em te ajudar. Muito obrigado.

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