O que decidiu Alexandre de Moraes na Revisão da Vida Toda?

O INSS apresentou embargos na Revisão da Vida Toda e, por isso, Alexandre de Moraes decidiu sobre a modulação do Tema 1102. Veja quais foram os limites.

Em resumo, posso adiantar para você que a decisão do Ministro Alexandre de Moraes modulou os efeitos da condenação do INSS na revisão da vida toda para:

  1. afastar o direito nos casos em que os benefícios já foram extintos, como, por exemplo, auxílios doença ou aposentadorias cessadas pelo óbito;
  2. afastar o direito a receber atrasados antes de 1º/12/2022, em casos de ação rescisória, contra decisões que haviam julgado improcedentes a revisão da vida toda.

Caso queira entender melhor essa decisão, fique com a gente até o fim.

O STJ e, depois, o STF julgaram a tese da Revisão da Vida Toda e o dois tribunais reconheceram o direito a essa revisão.

Ocorre que o INSS apresentou um pedido de esclarecimento chamado Embargos de Declaração. E, agora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal terão que dar mais uma decisão a respeito da Revisão da Vida Toda.

Isso porque, o principal pedido do INSS é que o STF fixe limites à sua própria condenação, para diminuir o impacto para os cofres da previdência.

O primeiro a votar foi o Relator do Processo, o Ministro Alexandre de Moraes. Veja como ele decidiu:

Em primeiro lugar, não há qualquer dúvida possível em relação ao item “a” da decisão que colamos acima, mas, para que não passe batido, explicamos e damos exemplos. Começo por esclarecer que, “benefício extinto” é aquele que não está sendo pago, que já acabou. Por outro lado, podemos citar dois exemplos, que são (1) auxílio-doença já cessado; (2) aposentadoria de quem veio a falecer e que, por isso, foi cessada.

Ocorre que o item “b” da decisão que colamos acima está levantando muitas dúvidas. Em um primeiro momento, entendemos que o voto do Ministro Alexandre de Moraes havia declarado que não haveria direito a atrasados para ninguém antes de 01/12/2022. Agora, porém, não me parece mais que isso esteja correto.

Por outro lado, há muitos colegas, advogados previdenciaristas, divergindo entre si em trabalhos que estão sendo publicados na internet. Veja que loucura:

  • Para alguns, o Ministro Alexandre de Moraes não propõe nenhuma restrição ao direito de receber atrasados;
  • Para outros, a data citada na decisão transcrita acima indicaria que seria possível o ajuizamento de rescisória contra decisões que negaram o direito à revisão da vida toda, mas que, nesse caso, somente seriam devidos atrasados a partir de 01/12/2022.

Diante de tudo isso, e tendo em vista que o Ministro Alexandre de Moraes é o Relator do processo e que, por isso, sua decisão ganha destaque, resolvemos voltar aqui para trazer um pouco de luz sobre esse assunto.

Para melhorar nosso entendimento, vou colar abaixo o trecho da decisão que nos interessa e com alguns grifos nas partes mais importantes:

(…)
Efetivamente, ao votar, consignei que, nada obstante, o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do Tema 334 (RE 630501, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Redator para o acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Dje de 26/8/2013) tivesse assentado que o segurado tem direito ao melhor benefício, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reiteradamente negava a opção pela regra definitiva.
Confira-se o seguinte trecho da minha manifestação:

“(…) tradicionalmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça entendia não ser possível aos que se filiaram ao RGPS antes da edição da Lei 9.876/1999 optar pela regra definitiva da Lei 8.213/1991 para apuração do salário de benefício.(…)

No entanto, a partir do julgamento do Recurso Especial pela sistemática dos recursos repetitivos, que deu origem ao acordão ora recorrido, o STJ reviu sua jurisprudência, ressaltando a necessidade de interpretar-se a regra de transição de forma mais consentânea com o objetivo que orientou o legislador ao criar a disciplina transitória.”

Em verdade, sobre a específica questão debatida neste processo paradigma, esta CORTE ainda não tinha se pronunciado.
Essa circunstância, e considerando que a atuação do INSS estava pautada na jurisprudência de então, e não procedia afrontando comando legal, razões de segurança jurídica presentes na espécie, recomendam a modulação dos efeitos da decisão para que se exclua do entendimento fixado no Tema 1102:

(a) (…)
(b) a revisão retroativa e pagamento de parcelas de benefícios quitadas anteriormente ao julgamento por força de decisão já transitada em julgado. Todavia, nesta hipótese, o interesse social recomenda que, tendo em vista a orientação do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL adotada a partir do julgamento do Tema 1102 e, considerando a cláusula rebus sic stantibus , tais parcelas sejam corrigidas observando-se a tese fixada nesse leading case, a partir do julgamento do mérito (1º/12/2022) . Esse entendimento prestigia o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que não pode prejudicar aqueles que recorreram ao Poder Judiciário.

Pois bem, agora vou me atrever a interpretar o que quis dizer o Ministro Alexandre de Moraes em relação a esse item “b”. Para evitar confusões, vamos por partes.

Em princípio, parece que, poderíamos reescrever esse trecho da decisão do Ministro Alexandre de Moraes nos seguintes termos: Recomendo modular os efeitos da decisão do Tema 1102 para retirar o direito à ação rescisória em casos de ações que pediam a condenação do INSS a revisar os benefícios pela Revisão da Vida Toda e que foram julgadas improcedentes antes de o STF julgar o Tema 1102.

Ocorre que a mesma decisão continua. Vejamos o que mais disse o Ministro Alexandre de Moraes:

“Todavia, nesta hipótese, o interesse social recomenda que, tendo em vista a orientação do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL adotada a partir do julgamento do Tema 1102 e, considerando a cláusula rebus sic stantibus , tais parcelas sejam corrigidas observando-se a tese fixada nesse leading case, a partir do julgamento do mérito (1º/12/2022)”.

Que confusão! Mas vamos tentar esclarecer.

Em primeiro lugar, não podemos ignorar que a decisão do Ministro cita um termo em latim, ou seja, “cláusula rebus sic stantibus”. Por isso, seria muito bom falarmos um pouquinho sobre isso, antes de prosseguirmos.

Pois bem, o professor Otavio Luiz Rodrigues Júnior, da Universidade de São Paulo, pode nos dar uma luz sobre esse assunto.

Isso porque, ele ensina que esse termo mais comumente divulgado, “rebus sic stantibus”, na verdade deriva de “Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur”. Evidentemente, isso não ajudou muito, não é?

Por outro lado, veja como a tradução desses termos do latim muda tudo:

LatimPortuguês
Rebus sic stantibus“estando assim as coisas” ou
“enquanto as coisas estão assim”
Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelligunturOs contratos que têm trato sucessivo ou a termo ficam subordinados, a todo tempo, ao mesmo estado de subsistência das coisas.

Assim, cláusula Rebus Sic Stantibus é um tipo de cláusula contratual que estabelece ser possível repactuar as condições do contrato se algo extraordinário acontecer. Em outras palavras, se ocorrer algo que mude as coisas como eram na data em que o contrato foi assinado, o próprio contrato pode ser alterado.

Agora, voltando ao que disse o Ministro Alexandre de Moraes, o que nos parece é que o Ministro disse que há uma cláusula “rebus sic stantibus” implícita na relação entre o segurado e o INSS.

Em outras palavras, que as regras tem que valer “enquanto as coisas estão assim”. Além disso, quis dizer o Ministro Alexandre que somente a decisão do STF alterou esse estado de coisas anterior e que, por isso, o INSS não poderia pagar atrasados antes da decisão, ou seja, antes de 1º/12/2022.

Ora, parece que fica claro que o Ministro não retirou o direito à ação rescisória, portanto, mas apenas disse que, enquanto o STF não alterou o posicionamento anterior, o que se tinha é que o STJ negava direito à Revisão da Vida Toda.

Por isso, quando o STF decidiu o Tema 1102, ele alterou as condições e permitiu a alteração do contrato entre o segurado e o INSS.

Por tudo isso, se fôssemos reescrever esse item “b” da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, poderíamos dizer algo como:

Resguarda-se, inclusive, o direito de que quem teve uma ação julgada improcedente pela Justiça, quanto à Revisão da Vida Toda, mova sua ação Rescisória, visando revisar a decisão, mas, nesses casos, limitamos a força da tese fixada no Tema 1102, para que as parcelas em atraso somente sejam devidas a partir de 1º/12/2022, porque foi nessa data que o STF alterou o posicionamento anterior da Justiça Brasileira.

Assim, para resumir e concluir, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes modula os efeitos da decisão do STF no Tema 1102 para:

  1. Afastar o direito nos casos em que os benefícios já foram extintos, como auxílios doença ou aposentadorias cessadas pelo óbito; e
  2. Afastar o direito a receber atrasados antes de 1º/12/2022, em casos de ação rescisória, contra decisões que haviam julgado improcedentes a revisão da vida toda.

Por fim, mantêm-se todos os demais efeitos da decisão, em especial quanto aos atrasados devidos. Assim, caso você ainda não tenha pedido sua Revisão da Vida Toda, ou caso queira que examinemos seu caso, para saber se é possível fazer alguma revisão, me chame no botão do WhatsApp abaixo.

Antes de terminar, porém, gostaria de fazer um esclarecimento. Apenas dois ministros decidiram os embargos do INSS até o momento. O primeiro deles foi o Ministro Alexandre de Moraes, de cuja decisão tratamos acima; a outra foi a Ministra Rosa Weber. Por outro lado, estamos aguardando as demais decisões e acompanhando todos os dias esse processo.

Bom, esse era nosso tema para hoje. Mas, adianto que o próximo texto será sobre a decisão da Ministra Rosa Weber, que, infelizmente, traz mais restrições aos direitos à Revisão da Vida Toda e contra o qual está toda a nossa torcida. Se quer receber a notificação assim que subirmos esse novo conteúdo, clique no botão abaixo e autorize as notificações.

  • Além disso, para se informar sobre esse assunto, veja, também:

Obrigado!

Marcelo Martins: Formado pela Universidade Estadual de Londrina no Paraná e pós-graduado em Direito do Estado pela mesma instituição. O mais importante, um advogado que se dedica à advocacia previdenciária há mais de 20 anos. Ao longo dessas duas décadas estendeu seu escritório por várias cidades do estado do Paraná e São Paulo, onde já patrocinou o direito de mais de 1000 aposentados e pensionistas, contra o INSS.