O que a TNU decidiu no Tema 378 – PcD Monocular precisa de perícia?

A Martins Advogados traz para você em primeira mão o resultado do julgamento da TNU.

Esse texto trata-se de um resumo do voto do Ministro Relator na TNU sobre o que, de acordo com as fontes fornecidas, foi o Tema 378, que abordou a questão da necessidade de avaliação biopsicossocial para caracterizar a deficiência em pessoas com visão monocular, visando a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Ao final você encontrará a tese fixada no tema 378.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Tema 378

O julgamento do Tema 378 envolve uma temática extremamente sensível. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é destinado a atender pessoas em situação de necessidade, hipossuficiência e miserabilidade. Ao analisar decisões sobre o BPC, é crucial considerar não apenas o impacto econômico geral para o país. No entanto, também o impacto no micro-orçamento doméstico das pessoas em vulnerabilidade social, pois as decisões judiciais produzem impactos relevantes em suas vidas.

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O Conceito de Deficiência: Uma Visão Ampla e Convencional

Um dos requisitos para a concessão do BPC é a caracterização da condição de deficiência. O conceito atual de deficiência, previsto no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), define pessoa com deficiência como aquela que possui impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. Logo, em interação com barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

É fundamental compreender que este conceito não surgiu com a LOAS, mas sim com a Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui status de emenda constitucional. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) também reproduz esse conceito.

Um ponto crucial é que a deficiência não significa a impossibilidade de trabalhar ou de exercer qualquer outra atividade. O elemento central é a desigualdade de oportunidades de participação plena e efetiva na vida social, decorrente de um número reduzido de oportunidades em comparação com pessoas sem impedimentos. Isso significa que a pessoa com deficiência enfrenta desafios adicionais. A Turma Nacional de Uniformização (TNU) corrobora essa visão. Sendo assim, afirmando no Verbete 48 que:

“Para fins de concessão de benefício assistencial de prestação continuada o conceito de pessoa com deficiência que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade elaborativa exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 anos a ser aferido no caso concreto desde o início do impedimento até a data prevista para sua cessação”.

Contudo, nem todo impedimento é suficiente para caracterizar a deficiência; ela se configura quando o impedimento, associado a barreiras, coloca o indivíduo em situação de desvantagem em comparação com outras pessoas.

A Necessidade da Avaliação Biopsicossocial

Devido a essa complexidade, a avaliação da deficiência não pode ser exclusivamente médica. É exigida uma análise biopsicossocial, conforme o parágrafo 6º do artigo 20 da LOAS (Lei 8.742/93), que fala expressamente de uma avaliação médica e uma avaliação social. A LBI também exige a avaliação biopsicossocial, que deve considerar impedimentos nas funções e estruturas do corpo, mas também fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, limitação no desempenho de atividades e restrição à participação. A própria Constituição, ao tratar da aposentadoria para pessoa com deficiência (artigo 201, parágrafo primeiro), já exige essa avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

A Visão Monocular e a Controvérsia no Tema 378

A grande questão em julgamento no Tema 378 da TNU era se a visão monocular seria uma exceção à exigência da avaliação biopsicossocial para a caracterização da deficiência. A Lei 14.126/2021 classifica a visão monocular como deficiência sensorial do tipo visual para todos os efeitos legais.

No entanto, o Ministro Relator destacou que o parágrafo único do artigo 1º dessa mesma lei remete expressamente à avaliação biopsicossocial prevista na Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Isso significa que há previsão legal expressa para a aplicação da avaliação biopsicossocial mesmo para a visão monocular.

A Lei 14.126/2021 busca impedir que descartem, de forma imediata, a visão monocular como condição de deficiência. Contudo, a questão que permanece é se qualquer situação de visão monocular, independentemente do grau ou das questões sociais envolvidas, caracterizaria a deficiência. A resposta para isso é não.

O Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM)

Para aprofundar a análise, intimaram o Conselho Federal de Medicina (CFM) para que se manifestasse sobre a questão. O parecer técnico do CFM foi crucial, definindo a visão monocular como uma condição oftalmológica com visão funcional em apenas um olho e comprometimento irreversível do outro.

O CFM esclareceu pontos importantes:

  • Existem diferentes níveis de acuidade visual e de visões monoculares.
  • Há um rol de atividades que não podem ser exercidas por pessoas com visão monocular, mas esse rol varia de acordo com o nível de restrição visual.
  • A possibilidade de uma pessoa com visão monocular exercer suas atividades pode ser significativamente influenciada por diversas barreiras externas.
  • Do ponto de vista médico-funcional, é possível haver variação significativa entre duas pessoas com visão monocular quanto à possibilidade de participação na sociedade.

Essas informações técnicas reforçam que, embora a visão monocular seja um impedimento sensorial, sua capacidade de gerar desigualdade de oportunidades de participação social depende tanto do grau de visão quanto das barreiras enfrentadas pelo indivíduo.

As Conclusões Finais e a Tese Fixada pela TNU no Tema 378

Diante de todos esses elementos, o Ministro Relator chegou a três conclusões principais, que fundamentaram a decisão unânime da TNU:

  1. Perícia exclusivamente médica é insuficiente: A análise da deficiência não pode se restringir a casos de incapacidade para o trabalho.
  2. Nem todo impedimento é deficiência: Somente aqueles que geram desigualdades de chances de participação social.
  3. Visão monocular varia em níveis: As oportunidades de participação social são fortemente impactadas por barreiras externas.

Assim, a Turma Nacional de Uniformização (TNU) decidiu por unanimidade dar parcial provimento ao incidente de uniformização, fixando a seguinte tese para o Tema 378:

“Na análise do direito ao benefício de prestação continuada a caracterização da deficiência da pessoa com visão monocular exige avaliação biopsicossocial sendo insuficientes o diagnóstico do impedimento visual ou a perícia exclusivamente médica.”

Isso significa que, para a concessão do BPC, o diagnóstico de visão monocular por si só não é suficiente para caracterizar a deficiência. Sendo assim, torna-se obrigatória a realização da avaliação biopsicossocial para comprovar a condição de pessoa com deficiência.

Marcelo Martins: Formado pela Universidade Estadual de Londrina no Paraná e pós-graduado em Direito do Estado pela mesma instituição. O mais importante, um advogado que se dedica à advocacia previdenciária há mais de 20 anos. Ao longo dessas duas décadas estendeu seu escritório por várias cidades do estado do Paraná e São Paulo, onde já patrocinou o direito de mais de 1000 aposentados e pensionistas, contra o INSS.