Aposentadoria Especial na Indústria Têxtil: O Equívoco do Tema 354 da TNU e Estratégias para Advogados

Topícos

A Relevância Histórica e o Impacto Atual da Indústria Têxtil

A indústria têxtil brasileira viveu o auge de sua importância entre 1960 e 1970. Esse período foi impulsionado pela política de substituição de importações e pelo chamado “milagre econômico”. Isso consolidou o setor como um dos pilares do emprego industrial no Brasil. Contudo, na década de 1980, o setor enfrentou estagnação econômica e um crescente atraso tecnológico, reflexo da “década perdida”.

A partir da década de 1990, com a abertura econômica e a globalização, a indústria começou a encolher drasticamente. Ela sofreu um declínio acumulado de 30% no emprego formal entre 1990 e 1999. Muitas empresas tradicionais como o Grupo Matarazzo e a Santista Têxtil faliram.

Em 1990, o contingente de trabalhadores formais já havia caído para aproximadamente 2,14 milhões. Reduziu-se a 1,50 milhão em 1999 e a apenas 824 mil em 2017. Embora dados precisos anteriores a 1990 sejam escassos, estima-se que entre 1960 e 1990, cerca de 3 a 4 milhões de pessoas trabalharam na indústria têxtil brasileira.

Hoje, milhões desses trabalhadores, que atuaram nas décadas de 1960, 1970 e 1980, estão alcançando o direito à aposentadoria. É aqui que o Tema 354 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) se torna crucial.

O Tema 354 da TNU: Uma Decisão Questionável

O Tema 354 da TNU discutiu a possibilidade de reconhecimento do tempo especial, por categoria profissional e sem laudo técnico até 28/04/1995, para a atividade exercida em tecelagens (indústria têxtil). Isso foi feito com base no Parecer nº 085/78 – MT/SSMT.

A tese firmada pela TNU foi a seguinte: “À míngua da existência do Parecer MT-SSMT nº 085/78, impossível o enquadramento especial da atividade de trabalhador em indústria têxtil exercida até edição da lei 9.032/95, por analogia, em relação aos códigos 2.5.1 do Decreto 53.831/64 e 1.2.11 do Decreto 83.080/79, com esteio tão somente nesse fictício parecer.” A decisão transitou em julgado em 07/02/2024.

Como Demonstrar o Erro da TNU

Historicamente, a própria TNU já havia reconhecido a especialidade do trabalho na indústria têxtil. Por exemplo, no PEDILEF 0528035-14.2010.4.05.8300, julgado em 19/02/2016, a Turma Nacional reconheceu a especialidade da atividade “em razão do Parecer MT-SSMT n. 085/78, do Ministério do Trabalho”.

No entanto, uma pesquisa exaustiva confirma que o referido Parecer MT-SSMT n. 085/78 não existe em leis, decretos ou instruções normativas como norma cogente. Sua notoriedade derivou da prática administrativa e da jurisprudência, culminando na controvérsia sobre sua validade.

Diante da inexistência desse parecer, a TNU deveria ter analisado se os anexos dos decretos previam, por si só, a atividade da indústria têxtil como especial. De fato, o Anexo I do Decreto 83.080/79 é expresso a esse respeito, no item 1.2.11. O texto lista: “Indústrias têxteis: alvejadores, tintureiros, lavadores e estampadores a mão.”

É fundamental entender que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera o rol de atividades especiais, descritas pelos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979, meramente exemplificativo, e não taxativo. Isso significa que outras atividades, não elencadas expressamente, podem ser reconhecidas como especiais. Bastam a comprovação de exposição a agentes nocivos. Nesse sentido, destaca-se o REsp 1369269/PR, julgado em 17/03/2015. Ele afirma: “A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o rol de atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física […] é meramente exemplificativo, e não taxativo”.

Ademais, o uso dos dois-pontos no item 1.2.11 sugere uma lista exemplificativa. Mesmo que se interpretasse a lista como exaustiva, as atividades de alvejadores, tintureiros, lavadores e estampadores à mão estão expressamente contempladas. Portanto, a decisão da TNU no Tema 354, ao afastar o direito com base na inexistência do parecer, ignorou a previsão normativa direta.

O Que Fazer para Garantir o Direito à Aposentadoria Especial

Apesar da tese firmada pela TNU no Tema 354, os Tribunais Regionais Federais continuam aplicando o enquadramento. Um exemplo recente é o julgamento do ApCiv 5007079-88.2021.4.03.6110 pelo TRF3 em 29/08/2025, após a decisão da TNU. Esse julgamento reconheceu a natureza especial da atividade na indústria têxtil por enquadramento no código 2.5.1 do Decreto nº 53.831/64. O acórdão reafirma que a legislação aplicável é a vigente no período da atividade. Também, afirma que “Os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado”.

Para advogados que buscam o reconhecimento do tempo especial para trabalhadores da indústria têxtil, é crucial ajuizar a ação perante a Justiça Comum Federal, evitando os Juizados Especiais Federais (JEFs). Caso o ajuizamento nos JEFs seja inevitável, é preciso preparar um Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) para o STJ, com base no Art. 14, § 4º, da Lei 10259/2001. Isso permite provocar a manifestação do STJ quando a orientação da Turma de Uniformização contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.

Em suma, o enquadramento dos trabalhadores da indústria têxtil em atividade especial decorre da previsão expressa no item 1.2.11 do Anexo I do Decreto 83.080/79. A decisão da TNU no Tema 354 desconsiderou essa base legal existente.

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Marcelo Martins: Formado pela Universidade Estadual de Londrina no Paraná e pós-graduado em Direito do Estado pela mesma instituição. O mais importante, um advogado que se dedica à advocacia previdenciária há mais de 20 anos. Ao longo dessas duas décadas estendeu seu escritório por várias cidades do estado do Paraná e São Paulo, onde já patrocinou o direito de mais de 1000 aposentados e pensionistas, contra o INSS.